kinda of goodbye

maio 18, 2010


Este blog foi durante um bom tempo meu “terapeuta”. Vomitei muitas vezes em letras, tristezas e desgostos. Pouco escrevi sobre algo realmente bom e alegre – ora, pessoas felizes e bem resolvidas normalmente não precisam de terapia, né?! Agora vou dar um tempo. Estou me “dando alta”.  Não quero dizer que acabou, porque eu nunca digo nunca! Mas ficará suspenso por tempo indeterminado. Quem sabe não crio um novo pra escrever sobre pessoas ‘invisíveis’ – mas incríveis… É um sonho antigo, vamos aguardar a inspiração chegar.

“Mas os sonhos são sonhos apenas enquanto ainda não se realizam. Quando se tornam realidade, abrem espaço para novos sonhos, como se as lacunas de nossos corações e mentes fossem alimentadas por esses desejos conscientes (e inconscientes, às vezes) que nos motivam a acordar pela manhã. Tem algo mais gostoso do que conquistar o que se sonha? Se isso não é felicidade, então não tenho a menor ideia do que é felicidade.”

(Felipe Machado)

I’m just a human being

abril 28, 2010

 

hoje dói, amanhã também, mas um dia deixa de doer. parece clichê, mas acredite, o tempo cuida de tudo. e como disse o Carpinejar: “o sofrimento é sempre didático”. então aprenda alguma coisa com toda essa diarréia sentimental. é como explicam nas reuniões dos AA “um dia de cada vez”. não estou falando de otimismo ou esperança – pra mim isso tudo não passa de estupidez disfarçada. mesmo que você se esforce pra dar o melhor de si, alguém vai sempre conseguir se queixar de algo que você não pode fazer ou oferecer. aparecem os choques de idéias, de valores, de desejos, a priorização das necessidades… e assim os relacionamentos tornam-se irremediáveis e as dores insuportavelmente incuráveis. ou quem sabe pode aparecer uma oportunidade de diálogo, um espaço para a sabedoria de compartilhar, um tímido enobrecimento pelo aceitar. relacionamentos inteligentes não combinam com humilhação, mas com humildade. às vezes o futuro é tudo aquilo que não planejamos.

“Não há grandes dores, nem grandes arrependimentos, nem grandes recordações. Tudo se esquece, até mesmo os grandes amores. É o que há de triste e ao mesmo tempo de exaltante na vida. Há apenas uma certa maneira de ver as coisas, e ela surge de vez em quando. É por isso que, apesar de tudo, é bom ter tido um grande amor, uma paixão infeliz na vida. Isso constitui pelo menos um álibi para os desesperos sem razão que se apoderam de nós”.

(Albert Camus – A Morte Feliz)

Teimosia

março 25, 2010

Dia desses uma pessoa me perguntou sobre o que me atrai em um homem. “Complicado dizer”, respondi. Como explicar que nem sempre o mais agradável me encanta? E que nunca me interesso de cara pelo todo? Que me apego aos detalhes, às sutilezas, que quando me apaixono o peculiar assume o papel de protagonista e o todo transforma-se apenas em coadjuvante? Será que alguém entende que o pouco me transborda? Sou tortuosa demais para não causar espanto. Meus sonhos não são padronizados, domesticados ou manipulados. A verdade é que nem sonho mais, vivo acordada, atenta aos pequenos milagres, em busca de alguém que carregue algum mistério. O comum me mata, procuro pelas exceções.

O desalento me habita diante da ausência de alguém com uma leveza própria das pessoas que decidiram não mais complicar. Será que a teimosia compensa? E o inconformismo ainda é uma boa luta? Não há caminhos a serem ensinados, nem aprendidos. Na verdade, não há caminho. O que fazer quando nenhum paraíso parece convincente? Será tarde demais? Avanço às cegas com minhas decisões pseudo-inteligentes. Ninguém nunca me ensinou receita alguma, nem a você, suspeito, nem. Aprendemos com os tombos.

Vivo uma espécie de auto-exorcismo, com o fígado sempre sangrando a-bun-dan-te-men-te. Sim, o fígado. Pois diferente da maioria, não amo com o coração, amo com o fígado. Numa lembrança eternizante do que passou, mas que nunca terminou e nem acabará. Sou estrangeira neste mundo, quero um porto, uma caverna, um refúgio, um amor, um amigo-inimigo, um alguém com certa alegria-tristeza-dilacerante. Quero você! #prontofalei. Como escreveu Clarice certa vez “Juro que não sei, às vezes me parece que estou perdendo tempo, às vezes me parece que pelo contrário, não há modo mais perfeito, embora inquieto, de usar o tempo: o de te esperar”.

“Vou te dizer o que eu nunca te disse antes, talvez seja isso o que está faltando: ter dito. Se eu não disse, não foi por avareza de dizer, nem por minha mudez de barata que tem mais olhos que boca. Se eu não disse é porque não sabia que sabia — mas agora sei. Vou-te dizer que eu te amo. Sei que te disse isso antes, e que também era verdade quando te disse, mas é que só agora estou realmente dizendo.” (Clarice Lispector)

white flag

fevereiro 12, 2010

Pra não dizer que eu só falei de dores, desamores, perdas, partidas e dissabores, hoje vou falar de alegrias, ganhos, chegadas e flores. Só por hoje e muitos outros dias eu pretendo não mais chorar, não quero mais me despedir, nem implorar. Quero apenas respirar e caminhar, sem exigências, sem solicitações, sem ir além. Depois de muito, muito sonhar teve um dia que acordei e descobri que por pensar demais acabei adquirindo aquele olhar distante de sonhador. E por causa dele, na melhor das hipóteses, sou considerada excêntrica. E na pior, louca.

Durante muito, muito tempo eu permaneci presa às lembranças de um relacionamento unilateral, com uma constante vontade contida de gritar bem alto palavras duras, secas, simples, irrevogáveis, bem fundo, rouca, exausta, correndo, esmagando lembranças. Fui levando uma vida formada de pequenas satisfações que, somadas algumas vezes, chegaram a beirar a felicidade. Talvez por isso, às vezes, ainda fique triste sem motivo, sem saber sequer se estou realmente triste. A verdade é que eu preciso muito, muito falar de flores, de amores, nem que seja muito, muito de vez em quando. Quem sabe assim, gradativamente, as feridas vão cicatrizando.

Muitas vezes viajamos longas distâncias só para descobrir que o que tanto procurávamos era aquilo que certa vez foi deixado pra trás, coberto por um nevoeiro de emoções profundas. Sempre tive a certeza que para continuar vivendo precisava de uma parte de mim que não está em mim. Precisava, mas tive que aprender a viver pela metade – como se fosse possível viver assim, como se fosse verdade, como se fosse ontem e amanhã. Talvez haja nas pessoas uma recusa adolescente de levar a sério o envelhecimento, a fragilidade dos outros, as responsabilidades interpessoais e as fraquezas de todo o tipo.

Durante muito, muito tempo, venho aprendendo que a vida deve se impor e que é possível seguir, mesmo quando nos sentimos aos pedaços. Não é preciso muito para entender que o essencial e o que realmente importa é o que faz nosso coração bater mais rápido. E pra não dizer que não falei de amores, peço desculpas com um suspiro por não conseguir deixar de citar as dores. Esses dias tremi quando me esqueci que estava esquecendo. Foi quando compreendi que relembrar é rachar-se. E aos poucos fui me esquecendo também dos socos, pontapés e golpes baixos que a vida me deu e ainda dará. E assim, fui aprendendo que o deserto não é só inevitável, mas necessário.

“Precisamos continuar nos reinventando. Quase a cada minuto. Porque o mundo pode mudar em um minuto. E não há tempo para olhar para trás. Às vezes a mudança nos é imposta. Às vezes acontece por acidente e fazemos o melhor com ela. Temos que, constantemente, encontrar novas maneiras de nos consertar. Então nós mudamos, nos adaptamos. Criamos novas versões de nós mesmos. Nós apenas precisamos ter certeza de que isso tudo é uma evolução.”

(G.A – 6.14 “Valentine’s Day Massacre”)

Hora de voltar

janeiro 3, 2010

“I know it hurts. But it’s life, and it’s real.
And sometimes it fucking hurts, but it’s life,
and it’s pretty much all we got.”
(Sam in ‘Garden State’)

Fundamental

dezembro 30, 2009

Me incomoda essa histeria generalizada com a aproximação de mais um ano. É um momento de idealismo obrigatório, uma espécie de loucura coletiva. Tudo isso me parece muito frágil. Ações repetidas pelo hábito é coisa sem muito sentido ou significado. Comemora-se o que? A loucura dos dias, o vazio das horas? Penso que a “celebração do fim” deveria ser mais discreta, menos barulhenta. Melhor adotar o silêncio, e assim criar um momento de reflexão e encontrar respostas.

A maioria das pessoas tende a ver esse tempo muito mais em razão do que está pra chegar e não do que passou. Os planos relacionados ao ano que chega dominam os pensamentos, acredita-se que existe tempo de sobra. Mas a verdade é que não sabemos se temos tanto tempo assim. Ninguém é capaz de saber o tempo lhe resta. A vida muda quando a gente tem a consciência que não vai ficar aqui pra sempre, por muito tempo.

Não consigo encarar essa época com um sentimento de abertura, mas de desfecho. Quando um ano termina me traz um sentimento em relação a essa vida que passa – que passa muito rápido, que acaba. Dezembro é pra mim um símbolo de morte. É mais um ano que acabou, mais um ano que vivi, a minha vida ficou mais curta, eu agora tenho menos tempo. A vida passa depressa e quando a gente vê já está acabando.

Talvez por isso nesta época tudo me canse, até mesmo o que normalmente não me cansa. A minha alegria consome tanto quanto a dor. Entristece-me quem eu nunca fui – e não sei que espécie de saudades é a lembrança que tenho de mim. Não tenho clareza a respeito do que é fundamental e nem há certezas. Sei apenas que não é tédio o que se sinto. Nem mágoa. Talvez apenas uma vontade de dormir agora e acordar em maio.

Não sou das mais otimistas, assumo. Bem que já tentei, mas não consigo. Otimismo é virtude difícil, rara. Oscilo muito. Sou tímida e às vezes desanimo com certa facilidade. Também canso, me decepciono, me iludo. Conheço bem a frustração. Não estou sempre bem. Não trago sempre um sorriso. Não correspondo sempre todas as expectativas sobre mim. Produzo aquém do que considero meu verdadeiro potencial. Chego aos resultados questionando-me sobre sua validade. Há dias em que não desejo levantar da cama. Já pensei (e não poucas vezes) em jogar tudo para o alto. Erro mais que acerto, julgo equivocadamente, me arrependo, me defendo, não me compreendo. Não me dou muito bem com essa coisa de ser máquina.

Mas espectadora de mim mesma, nunca, porém, desanimei de assistir à vida. Hoje celebro cada desilusão com esperança, como um amargo com doce que um dia… acaba se tornando doce.

Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.

– Fernando Pessoa –

Basta Pensar em Sentir

dezembro 28, 2009

Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração a chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.

Viver é não conseguir.

(Fernando Pessoa)

eu quem?

dezembro 20, 2009

eu sou um vácuo no estômago, um lamento, o choro baixinho, a solidão dos sozinhos, a saudade impossível. sou o telefonema esperado, o esquecimento lembrado, a vontade de chorar,  o desamparo súbito. eu sou uma-sem-noção, a vontade tosca de fugir, o desejo de chegar, o medo de perder, a alegria de reencontrar, a ressaca do esperar. sou o encantamento, o coração partido, a impermanência da realidade, a tristeza e a graça, o drama e a comédia, a viagem sem volta, o lixo acumulado, um bicho-de-sete-cabeças, a voz engasgada. sou o que sou e não importa o quanto queiram que eu mude, não posso, muitas vezes não tenho opções, são coisas que estão escritas em meu DNA, como uma chuva de honestidade.

“Yeah the truth is, that I miss you, so”. (Coldplay)

Ele não sabia ficar parado

dezembro 10, 2009

28/11/2009

“Essencialmente um trabalhador”. Seria a maneira que Ernesto Caciolato definiria a si mesmo.  Morreu aos 85 anos, em um hospital de Cornélio Procópio, no Norte Pioneiro do Paraná. A principal causa foi a doença de Parkinson. Filho de Caetano Caciolato (descendente de Italianos) com Antônia Pinhata (de família originária de Minas Gerais) era mestre de obras. Trabalhou boa parte da vida na construção e manutenção de salas de cinema no interior de São Paulo e Paraná. Hoje, muitos desses cinemas (senão a maioria) viraram igrejas, lojas ou foram inteiramente demolidos. Viúvo, deixou muitos irmãos, sete filhos, 17 netos, cinco bisnetos.

Homem humilde, quieto, reservado, honesto, rígido e organizado. Poderia ficar longe dos filhos, mas jamais se separava de sua caixa de ferramentas. De acordo com o Google o nome “Ernesto” tem origem inglesa e significa “aquele que combate”. Realmente, meu avô foi um guerreiro, não conhecia a preguiça e sempre valorizou a própria personalidade. Isso é tudo e somente o que sei sobre ele. Sujeito formidável em seu quase-anonimato. Gente que ganhava pouco para fazer muito. Construiu espaços que abrigaram a arte, o sonho, o romance… Realizou obras que podem ter mudado direta e indiretamente a vida de muitas pessoas.

Descobri esses dias que minha avó materna entrou em depressão muito jovem, depois de um aborto natural que comprometeu seu útero – que foi retirado. Naquela época de pouca informação e muitas crendices, ela foi vítima de preconceito e chacotas. Acreditava que não era mais “mulher”. Nunca mais foi a mesma pessoa. Acho que meu avô não compreendia muito bem essa coisa complexa conhecida como “depressão”, mas seguiram juntos. Ele a enterrou primeiro.

Poderia narrar aqui os detalhes dos últimos anos, meses ou até dias da vida do meu avô. Mas não vale a pena ficar relembrando momentos de sofrimento quando se teve tanta vida cheia de saúde e disposição (não sei se posso dizer de “felicidade”). Acho, sim, que ele começou a morrer quando descobriu que não poderia mais trabalhar. Então seu coração foi virando tijolos e seus ossos vigas de ferro enferrujadas.

Conheci recentemente uma pessoa sobre a qual eu nunca havia ouvido falar e fiquei chateada por não ter tido a chance de conhecê-la de verdade. Queria escrever um obituário rico em detalhes (que pudesse até ser usado como roteiro de cinema) que contasse os detalhes da vida desse homem que conseguiu me cativar quando não tinha mais nada para oferecer, mas as informações se perderam no tempo, não foram contadas. Não se pode fazer um filme sem começo, sem meio… por enquanto vou me contentar com a sinopse. Quanto ao final do filme já se sabe, será o mesmo para todos.

“Encarar a morte com naturalidade é o mais longe da morbidez que se pode estar. Só espero ter sabedoria para viver minha vida com intensidade até o último suspiro. E sabedoria para morrer, sem tentar espichar a vida nem abreviá-la. Não gostaria de morrer de repente, como tantos desejam. A curiosidade sempre moveu meus passos. Quando a morte chegar, não quero perder a única chance de olhar no seu olho. Quero saber o que é morrer. Quero me lambuzar de morte como me lambuzei de vida. Quero viver. Até o fim.” (Eliane Brum)

Medo de chester (Eliane Brum)

dezembro 8, 2009

Por que nos deixamos enlouquecer no fim do ano?

Não sei quando aconteceu. Eu era do tipo que ficava toda faceira quando via a cidade iluminada para o Natal. Achava tudo lindo. Agora, eu rosno para as luzinhas. Decorações natalinas de shoppings me irritam. Panetone, mesmo antes do episódio Arruda, me tiravam do sério. Ontem fui pegar o elevador do prédio em que moro e dei de cara com uma bota de Papai Noel pendurada na porta. Rosnei. A ideia de me reunir à manada que vai às compras gastar o 13º me arrepia. Aqui em casa, os enfeites natalinos e o pinheirinho não saem da caixa há anos. Me escondo dos amigos-secretos como posso, mas de um jeito ou outro eles me descobrem. Já são dois! Acho que virei o duende malvado do Natal. Não faço mal para ninguém nem quero estripar o Papai Noel. Mas rosno.

Rhhhhhuuuuuuuuum. Humpft. Grunft. Algo assim.

O caso é que cada vez eu fico mais louca no Natal. E vejo todo mundo ficando louco ao meu redor. Para mim, a instalação das luzinhas natalinas marca a abertura da temporada de suplício, uma versão pós-moderna da via-crúcis.

Percebo que não sou a única. Muitos sofrem pelas esquinas, querem que o ano acabe antes, prefeririam acordar no Carnaval.

Sei que há um monte de gente que adora esta época do ano. Tenho um grupo de amigas que se reuniram na casa de uma delas na semana passada para arrumar a árvore de Natal na maior empolgação. Minha mãe passa o ano guardando dinheiro para os presentes. E minha avó fazia isso antes dela. E eu preciso confessar que tenho meus momentos.

Mas uma parte da humanidade gostaria de pular esta época do ano. Tenho um amigo que, na impossibilidade de saltar as festas de fim de ano, tentou pular pela janela na véspera e passou o Natal internado numa ala psiquiátrica. Esta parte da humanidade, da qual ele e às vezes eu fazemos parte, não tem direito à voz. Somos discriminados, olhados como párias. Não possuir espírito natalino é considerado quase uma deficiência, um desvio de caráter. Além de não conseguirmos ficar felizes embaixo de um pinheiro, nós, os anti-natalinos, ainda nos sentimos culpados.

Depois que você se casa, piora. É imperativo fazer um curso intensivo de diplomacia para apaziguar as respectivas famílias. O “quem vai passar com quem” o Natal e o Réveillon vira uma obra de estrategista. Nós, os casados com famílias em diferentes cidades, não cometeríamos erros básicos como invadir a Rússia no inverno, por exemplo.

Temos visão de futuro e olhos de lince. Mas coração mole. Para agradar a todos, gastamos parte dos dias de folga peregrinando por aeroportos. Como as companhias aéreas não têm espírito natalino, deixamos uma parte do 13º salário, justo aquela que não gastamos com presentes, num daqueles aviões que nos tratam como se fôssemos chimpanzés de zoológico e só nos dão amendoins.

Quando chega a hora da ceia, estamos exaustos e famintos. Eu, por exemplo, como qualquer coisa. Já comi até larva na falta de coisa melhor numa de minhas incursões pela floresta amazônica. Mas tenho medo de chester. Medo não, pavor. Começou anos atrás. Havia congelado o chester que ganhei da firma e, num domingo de geladeira particularmente vazia, resolvi assá-lo.

Não conseguia desgrudar os olhos do vidro do forno. Era estranho demais um bicho quase só coxa e peito. Como ele não me parecia deste mundo, também não me parecia que morria. Fui buscar instruções, uma bula. Estava escrito: “ave”. Como assim, ave?

Assei, assei, assei… e o chester continuava lá, morto-vivo. Ave. Não consegui. Não sou nem vegetariana nem cristã, mas me pareceu pecado comer aquele ser inventado só para ser comido.

Depois desta tragédia anunciada, me perguntam: o que você vai fazer no réveillon? Nada. Se tudo der certo, vou estar dormindo. Sempre me dá sono um pouco antes da meia-noite. Adoro uma festa, mas nenhuma em que eu tenha de fazer balanço do ano ao mesmo tempo.
Pretendo estar ronronando no sofá azul lá de casa, depois de ver um filme, ler um livro ou divagar com o João. Mas, claro, meu projeto está ameaçado pelos milhares de fogos que vão espocar ao meu redor.

Rrrrrhhhhhhhhhhhmmmmm. Humpft. Grunft.

Por que não ir para algum paraíso tropical? Ou para o meio do mato? Porque não existe nenhuma destas modalidades nesta época do ano. Todos nós temos a mesma ideia. E, assim, todos “os lugares paradisíacos e distantes das grandes cidades” se transformam em sucursais do inferno com pernilongos sem grife e preços da Daslu. E para chegar lá você fica horas empatado no trânsito ou no saguão do aeroporto. E se você ligar o rádio do carro ou a TV para matar o tempo enquanto espera vai ouvir mensagens. Ou a voz do Roberto Carlos. Eu gosto do Roberto em todas as épocas do ano, menos nesta.

Caso pense em se distrair comprando uma revista, vai ser intimado a ticar todas as resoluções que não cumpriu no ano que passou e fazer uma nova lista de tarefas. Ou vai precisar encarar páginas e mais páginas com receitas de como mudar de vida e ser mais leve no ano que se inicia. As festas de fim de ano marcam também a época de reprodução dos especialistas em felicidade alheia. Nós deveríamos sair em bloco, empunhando bombas de inseticida, para impedir que isso acontecesse, mas estamos presos em alguma confraternização.

E tudo isso ainda pode piorar muito se, como acontece em 99% das famílias, alguém encher a cara ou surtar e acabar tudo em mágoa, com todos os nossos esforços escoando pelo ralo junto com o espumante.

Quando tudo isso acaba, o ano recém começou. Você está endividado. Exausto. Diante de você há uma lista de resoluções e uma agenda em branco. Você acabou de vencer a maior tarefa do ano e já tem diante de si uma lista delas.

Sei que é difícil compreender, em meio a tantas luzes. Mas, como no genial Bartleby, o escriturário, de Herman Melville (sempre um ótimo presente de Natal, aliás), há quem diga, diante das promessas de Ano-Novo: “Prefiro não”.

Nós respeitamos quem prefere sim. E genuinamente aprecia. Mas não discriminem quem prefere cuspir nas luzinhas de Natal. Não olhem para nós como se fôssemos primos daquela bactéria descoberta em Marte. Nós, os anti-natalinos, também temos sentimentos. E o chester é nosso amigo.

(Eliane Brum escreve no site da
revista “Época” às segundas-feiras.)